Três pingadas
nos ouvidos de um remédio para curar uma otite média e, pronto, lá estava eu
submerso em um mundo silencioso. E por alguns minutos, enquanto o liquido do
antibiótico descia pela a minha membrana timpânica, nada ouvia, nada escutava,
era como se todas as comportas de som existentes tivessem sido,
automaticamente, trancafiadas.
Após caírem os
pingos do conta-gotas em minhas orelhas infectadas, toda a sonoridade das coisas,
das palavras e das vozes das outras pessoas, por alguns instantes, emudeceu.
Até mesmo a relação amistosa que eu mantinha com os decibéis, segundos antes do
uso da suspensão ontológica, estremeceu.
Eu desconhecia o
silêncio total das coisas, pois fui criado com o barulho frenético da
existência humana, mas a descoberta daquela mudez arrebatadora, provocada por
uma infecção auricular me mostrou o outro lado da vida, o lado em que não se
ouve sequer um ruído.
A instilação das
gotinhas do anti-inflamatório na região externa de meus ouvidos me transportou
da balbúrdia voraz do cotidiano para a taciturnidade dos bosques, a penetração
dessas gotinhas orelha adentro, me deu a sensação de está mudando de uma
civilização barulhenta para a calmaria jubilante das montanhas, pelos menos momentaneamente.
O pânico da
surdez inesperada fora superado pela delicia de nenhum retorno de sons, a
invasão das três gotinhas anti-bacteriana em meu canal auditivo substituíram as
excessivas britadeiras, por uma bolha de um silêncio apaziguador. A vida
cotidiana está tão cheia de buzinas, de apitos, de alarido pra cá de algazarra
pra lá que nos assustamos com a simples ideia de quietação, mesmo que seja por
trinta segundos.
Não fosse a
minha otite média, eu não teria experimentado o silêncio do mundo que muitas
vezes não percebemos, não fosse essa infecção dolorida nos ouvidos eu teria
perdido a chance de ouvir um som que se assemelha a mansidão de um lago no meio
do nada, e estaria apenas acostumado a ouvir os zumbidos dos aparelhos
eletrônicos, o ronco dos motores e o burburinho das gentes.