sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Política por Via Anal


José Maria Vasconcelos

Dito da minha vó: “Quem muito se rebaixa o fundo aparece. ”Fundo, cloaca e excrementos. Deu-lhe nojo? Então, pare por aqui, porque lhe vou mostrar meu sítio, onde cultivo de tudo, desde galinhas caipiras e patos a fruteiras e verduras. Na minha panela, entram produtos, diarimente, do quintal, ainda extraio lições de vida, observando mistérios e lições da natureza.

A pimenteira produz dedo-de-moça, espécie de malagueta vermelha e longilínea, cartão postal entre as hortaliças. Tamanha beleza ofuscou-se-me, quando descobri uma porção de pulgas brancas, como que cobertas de penugem semelhante a cinza. Esses insetos incrustam-se nas folhas e galhos da pimenteira, sugam-lhes os nutrientes e dali não saem mais. Suas fezes adocicadas atraem formigas, que vão ao seu encontro nutrir-se do estranho produto, sem provocar-lhes danos, só saborear nojeira. Quando falta feze, as formigas acariciam o traseiro das pulgas, que adoram a afinidade, levantando o bumbunzinho, expelindo mais e mais o produto de suas entranhas em troca de carícia. E assim os dias se passam, numa convivência política de saudável cumplicidade simbiótica.

A natureza tem dessas coisas esquisitas, mas de enorme filosofia de vida. Como aquela espécie de louva-deus, que após o ato nupcial e único, a fêmea crava as mandíbulas no macho, arranca-lhe a cabeça e devora, matando-o em seguida. O noivo aceita o martírio em troca de fugaz e único prazer.

Você pode concluir que estranhas convivências só ocorrem com irracionais. De maneira alguma. Gente, que enche a boca com conceitos de cidadania, democracia, justiça e lero-leros de palanque e comitês, negocia seu mais nobre patrimônio, a dignidade, sem escrúpulos, ao ponto de exibir o traseiro de sua alma por puro prazer, aceitar lambisquaias por intoxicados instintos. Ou por expor a cabeça da consciência em troca de uma provável promoção.

O fenômeno de simbiose entre formigas e pulgões serve de parábola a candidatos e eleitores escravos de eternos vícios, inadmissíveis nas pessoas que se dizem do bem. Serve, também, de parâmetro com demais modelos de convivência social: trocas de favores sexuais por posições na empresa. Contracheques ilícitos por um amém às estripulias do chefe, ou apoio à malandragem. 30 moedas pela cabeça do mestre. Tudo é válido se se satisfazem interesses pessoais.

Continuarei a agüar e a cultivar a pimenteira do meu quintal, mesmo assistindo a grotesco fenômeno que a natureza me surpreendeu. Em tempo de consciência ambiental, quando se condena uso de agrotóxico, acho que é mais saudável aplicar poderoso inseticida a tantas safadezas a que assisto. É que não aguento mais ver quanto vovó tinha razão. Principalmente assistindo a verborreia de candidatos a servir da minha pimenteira espiritual para esculhambação do sublime dom do livre arbítrio, prejudicando meu dedo-de-moça amalaguetado na hora de votar.

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