sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Assombração na TV


Por José Maria Vasconcelos

Manhãzinha, assisto àquela jovem repórter, diariamente, na TV Clube, olhos arregalados, longas sombrancelhas agitadas, anunciar as condições do tempo com ares de sobressalto. Parece adolescente espantada, atemorizada com 35 ou 40 graus de temperatura, como se antecipasse o final dos tempos. No semblante geral dos repórteres nacionais, nota-se a mesma sensação apavorante ao anunciar tempo seco, com características amedrontantes e apocalípticas, como raro fenômeno, nunca em eras anteriores.


Calor, estio e seca são tão comuns na Natureza quanto as estações chuvosas, porém a indústria da informação, acompanhada de interesses e de crônica preocupação ambiental, conduzida por duvidosas pesquisas de algumas ONGs, vem criando esterótipos de pavor aos menos esclarecidos. Por aqui, basta chegar o verão, para repórteres se benzerem do cataclismo e detonarem informações bombásticas, que só carros pipas amenizam o provável desastre. Políticos soltam rojões em busca de dinheiro público.

Qualquer alteração no clima vira espasmo catastrófico, como se o planeta fosse um ser imutável. Aterrorizam-se com algum degelo das calotas polares, todavia não observam glaciais invernos, comuns nos hemisférios. Aqui, enxergam as dragas os dragões do fim dos rios, enquanto na Europa  as mesmas engenhocas abrem caminho para o turismo fluvial.
Vinte séculos antes de Cristo, Abraão, tronco genealógico de Israel, enfrentou dura seca. O filho, Isaac, anos depois, penou também.. O neto, José, administrou sete anos de generosos invernos e sete de magras vacas, no Egito. O fenômeno ainda se repete. O mar engoliu, durante toda a Idade Média, metade do aqueduto de 15 km, construído em Cesareia pelo governador Pilatos. Na mesma época, desapareceu, sob as águas do delta do Nilo, o palácio da rainha Cleópatra. Em 1877, o Nordeste sofreu a pior seca de que se tem notícia, que espantou o imperador Pedro II: “Venderei até minha coroa para alimentar esse povo!” A mais elevada temperatura já registrada no planeta, científicamente, ocorreu no século 19, para alívio de assombrados repórteres de hoje.

Em nossa região, o calor e a baixa umidade do estio transcendem o tempo. Proprietários de ricas residências de Teresina costumavam, no passado, sem ventilador e geladeira, construir piso de madeira a um metro do chão, com pequenas aberturas no solar das paredes, para saídas de calor. Tetos altos, sem forro, facilitavam circulação do ar. As queimadas, até anos atrás, provocavam denso fumaceiro nos céus de Teresina, de esconder o sol a partir das 4 da tarde. À noite, famílias sentavam-se à frende das residências, puxavam conversa, aguardando chegada do agradável ventinho depois das 10.

A imprensa carioca anuncia o calor “tempo bom” aos prazeres da praia. Aqui, envergonhamo-nos do abençoado b-r-o-bró, sem o qual não desfrutaríamos generosa safra de caju, manga, pitomba, pequi, jenipapo, bem como produção de flores e amêndoas silvestres, a farra de nossa fauna.
Vamos, deixe de lamentar abençoado b-r-o-bró, caia na folia, bote roupas de banho, mergulhe nos balneários, divirta-se em saborosíssima e vitaminada cajuína, glorifique o Senhor da vida, liberte radicais livres no suor das caminhadas, sob ar morno do final da tarde, nos calçadões da cidade. À noite, depois das dez, temperatura amena, convide-se a badalar-se nas dezenas de apetitosos restaurantes e casas noturnas.

Trocar minha tórrida e mesopotâmica Teresina, eu, hein?! Nem que a simpática jovem repórter da TV Clube arreganhe longas sobrancelhas, anunciando fim do mundo. Cruz, credo!

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