domingo, 3 de novembro de 2013

Três pingadas de remédio

   
Três pingadas nos ouvidos de um remédio para curar uma otite média e, pronto, lá estava eu submerso em um mundo silencioso. E por alguns minutos, enquanto o liquido do antibiótico descia pela a minha membrana timpânica, nada ouvia, nada escutava, era como se todas as comportas de som existentes tivessem sido, automaticamente, trancafiadas.

Após caírem os pingos do conta-gotas em minhas orelhas infectadas, toda a sonoridade das coisas, das palavras e das vozes das outras pessoas, por alguns instantes, emudeceu. Até mesmo a relação amistosa que eu mantinha com os decibéis, segundos antes do uso da suspensão ontológica, estremeceu.

Eu desconhecia o silêncio total das coisas, pois fui criado com o barulho frenético da existência humana, mas a descoberta daquela mudez arrebatadora, provocada por uma infecção auricular me mostrou o outro lado da vida, o lado em que não se ouve sequer um ruído.

A instilação das gotinhas do anti-inflamatório na região externa de meus ouvidos me transportou da balbúrdia voraz do cotidiano para a taciturnidade dos bosques, a penetração dessas gotinhas orelha adentro, me deu a sensação de está mudando de uma civilização barulhenta para a calmaria jubilante das montanhas, pelos menos momentaneamente.

O pânico da surdez inesperada fora superado pela delicia de nenhum retorno de sons, a invasão das três gotinhas anti-bacteriana em meu canal auditivo substituíram as excessivas britadeiras, por uma bolha de um silêncio apaziguador. A vida cotidiana está tão cheia de buzinas, de apitos, de alarido pra cá de algazarra pra lá que nos assustamos com a simples ideia de quietação, mesmo que seja por trinta segundos.


Não fosse a minha otite média, eu não teria experimentado o silêncio do mundo que muitas vezes não percebemos, não fosse essa infecção dolorida nos ouvidos eu teria perdido a chance de ouvir um som que se assemelha a mansidão de um lago no meio do nada, e estaria apenas acostumado a ouvir os zumbidos dos aparelhos eletrônicos, o ronco dos motores e o burburinho das gentes.                    

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