quinta-feira, 7 de outubro de 2010

O eterno voo efêmero dos pavões

Por Adriano Lobão Aragão

Não há o que lamentar no fato de uma das melhores bandas brasileiras de música popular ter durado somente nove meses. E apesar de tão curta existência, poucas vezes, antes, durante e depois de 1973, algum outro artista conseguiu resultados tão significativos  utilizando algum dos referenciais definidores da estética artístico-musical dos Secos & Molhados; e nisso podemos incluir seus imitadores e diluidores, como o infame Assim Assado, similares (?) estrangeiros como o Kiss (?!), e até mesmo as carreiras individuais de seus três integrantes, Ney Matogrosso, João Ricardo e Gerson Conrad.

A sexualidade andrógina de seu vocalista, Ney Matogrosso, plenamente associada a sua voz em falsete soprano, condiz com o momento glitter que o rock estava experimentando naqueles idos. Havia um David Bowie travestido de Ziggy Stardust e, logo em seguida, vivenciando um Alladin Sane ainda mais andrógino; o T. Rex de Marc Bolan exalando purpurina e seguidores que abusavam de batom e delineador; Lou Reed, no álbum apropriadamente intitulado Transformer, aparece como uma estranha espécie de monstro de Frankstein bissexal, além de viver maritalmente com um travesti; e até os pré-punks do New York Dolls exibiam suas grosseiras fantasias femininas. E o horror que o rock provocava nos anos 50, sinônimo constante de rebeldia (pelo menos em décadas passadas), exasperava ainda mais os pais de adolescentes ingleses e americanos que chegassem em casa com o disco Honk Dory de Bowie debaixo do braço e fossem mexer no estojo de maquiagem da irmã. Se anos antes era “pecado” filmar os quadris rebolantes de Elvis Presley na televisão americana, a imagem de Ney Matogrosso nas telas brasileiras, em horário nobre, seminu, vestido em saias havaianas bem abaixo do umbigo, poderia ter sido o próprio inferno. Da mesma forma que Elvis tornou-se um produto de mídia extremamente rentável, os Secos & Molhados viraram sensação instantânea e, durante seu ano de estreia e dissolução, venderam mais discos que o “rei” Roberto Carlos.

Gal Costa, adepta há alguns anos de trajes sumários, despia-se mais ainda em Índia, cuja capa consiste em um indiscreto close de seus quadris vestidos em mínimo biquíni vermelho. Havia então esse desnudar instaurado em diversos segmentos artísticos, do cinema boca-do-lixo à incipiente pornochanchada, mostrar o corpo parecia ser uma arma contra a censura e a moral que os militares apregoavam pelo Brasil. E a sexualidade parecia ser a ordem imediata. Sobretudo no que pudesse ser contestador, ambíguo e irreverente. Com isso, temos desde o “machão” Erasmo Carlos cantando versos de conotação homossexual em Sodoma e Gomorra, presente no disco que inverte seu nome, Carlos, Erasmo; até o glitter brasileiro Eddy Star convivendo com o que ainda fosse possível passar pelo crivo dos militares. E a banda Secos & Molhados era isso tudo em constante estado de ebulição. Maquiagem pesada, penas de pavão e um inusitado talento para musicar poemas, como Rosa de Hiroxima (Vinicius de Moares), Não, Não Digas Nada (Fernando Pessoa), Rondó do Capitão (Manuel Bandeira), O Hierofante (Oswald de Andrade), As Andorinhas (Cassiano Ricardo) etc.

Não há o que lamentar de terem se separado antes mesmo do lançamento do segundo disco. O estrago já estava feito. A dispersão ficou apenas para diluidores, como seu próprio mentor, João Ricardo, que há décadas tenta reavivar o nome Secos & Molhados em frustradas tentativas que não passaram de maquiagem borrada. Nada mais.

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